quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Assisti "Avatar" de James Cameron

É difícil falar do James Cameron sem vir a mente bons filmes, como Exteminador do Futuro 2 ou True Lies. Mas também é difícil falar de James Cameron sem vir a mente alguns filmes discutíveis, como Titanic ou Piranhas 2 - Assassinas Voadoras. A contraposição é proposital, idem para o exagero embutido. Titanic não é ruim como Piranhas 2, mas certamente o segundo é mais honesto nas suas intenções. Podemos afirmar que James Cameron é um cineasta de grandes bilheterias, mas não justifica a sua auto-idolatração (comprovada pelo "I'm king of the world!" no Oscar), coisa que os estúdios sabem muito bem e seu último trabalho é prova disso.

Falar do Avatar é fácil se o colocarmos em dois planos distintos: o plano técnico e o plano de conteúdo, aquilo que costumamos chamar de roteiro. Tecnicamente, não há nada que chegue perto de Avatar hoje. Provavelmente só teremos coisas parecidas no ano que vem, ou depois ainda. Prova disso é a sessão de trailers no Imax 3D, que inclusive conta com o Alice do Tim burton, também filmado em 3D, mas com uma técnica definitivamente menos apurada. Se Avatar é a ponta do iceberg da tecnologia de filmagem em 3D, James Cameron acertou na mosca. O filme vai se tornar a referência definitiva da virada do cinema tradicional para o cinema 3D, impulsionando o mercado de TVs (a Samsung já começou) e videogames (o PS3 já tem patch de firmware pronto e o Super Stardust HD já roda nele).

O mundo de Pandora é realista, não apenas pelo 3D da imagem, mas pelo fato de que em nenhum momento os efeitos especiais ficam evidentes. Claro, é fisicamente impossível uma montanha voadora, sabemos que isso não existe. Mas a imagem na tela é bastante crível e não deixa pistas da junção das imagens de cachoeiras e montanhas reais para formar a cena de tirar o fôlego. A integração cenário artificial, personagens em motion capture e atores reais é orgânica, forte candidato a Oscar de efeitos visuais e com razão. Sem contar que no futuro a equipe de produção vai ganhar um daqueles Oscar especiais pelas contribuições para a indústria de cinema.

Quando chegamos no plano do roteiro, a coisa fica feia, literalmente. Avatar é um potpourri de diversas tendências, filmes e influências. No campo cinematográfico, a mais marcante é Dança com Lobos, mas não passa longe de um Pocahontas da Disney também. A colcha de retalhos passa pela militância verde utópica (e chata pra caramba), cria estereótipos bidimensionais, faz críticas à colonização do continente americano e descamba diversas vezes para o misticismo puro. Não preciso comentar que o filme é politicamente corretíssimo. Fórmula mais instável do que nitroglicerina, o roteiro é literalmente uma bomba.

Árvore de Mana - Secret of Mana (SNES)

As influências entram no campo dos games também. Foi difícil ver a árvore dos Na'Vi e não lembrar do Secret of Mana, ou então ver o vôo do Toruk Macto sem pensar no Panzer Dragoon, em especial o Orta. Também não dá para pensar na árvore das almas sem lembrar do life stream do Final Fantasy VII. Paro por aqui porque se cavocar, sai mais. Até minha irmã que não é tanto de jogar identificou elementos no meio.

Panzer Dragoon Orta
Talvez o romance entre Jake Sully e Neytiri até seja melhor que o apresentado em Titanic, mas em 2:30 de filme é pouco frente à avalanche de explicações convenientes para justificar ápices do filme, como o trecho do esqueleto do maior predador alado de Pandora e a solução do Jake a certa altura do filme. Também não ajuda nada o Deus ex-machina baseado na teoria de Gaia que resolve o problema relevante de tentar usar um arco-e-flecha contra uma nave blindada e com munição à vontade. Evito discutir a cena final, que é ultrajante em termos de previsível.

Aí vem a pergunta: como é que um filme desses custa 500 milhões de dólares e ninguém vê os defeitos? Simples: esse dinheiro é um troco que os investidores usaram para garantir lucros maiores com a posse (e patente) da tecnologia criada para fazer o Avatar. Se o filme não se pagasse, a Fox não iria dar bola, o lucro viria a longo prazo mesmo. Mas como as expectativas eram grandes, a Fox sabia que não ia levar prejuízo e teria, de graça, tecnologia de ponta. Burros eles seriam se não investissem os 500 milhões no filme.

Enfim, é um filme para ser visto em 3D, porque ele é uma demonstração do que será visto no cinema nos próximos anos. É um evento cinematográfico que só pode ser comparado ao advento da cor em E o Vento Levou ..., o que não é pouca coisa para um fã de cinema ficar de fora. Só não seja mão de vaca para esperar sair em DVD ou para assistir em cinema tradicional: Avatar não tem graça nenhuma sem a profundidade e exuberância do 3D. Em casa, só com TV e BluRay 3D, coisa que vai levar um tempinho para ser realidade de mercado. Só que até lá, vai ter coisa bem melhor pra assistir numa TV dessas. Ainda bem.